Desconsideração da personalidade jurídica

Pessoa Jurídica é todo ente formado pela coletividade de pessoas ou de bens, que adquire personalidade jurídica própria por força de determinação legal e reconhecida pelo Estado como detentora de direitos e deveres. A pessoa jurídica tem personalidade jurídica independente e, conforme o artigo 49-A do Código Civil, não se confunde com os seus sócios, associados, instituidores ou administradores, sendo sua autonomia patrimonial um instrumento lícito de alocação e segregação de riscos, estabelecido pela lei com a finalidade de estimular empreendimentos, para a geração de empregos, tributo, renda e inovação em benefício de todos.

Excepcionalmente, existem situações nas quais a personalidade de pessoa jurídica poderá ser desconsiderada, para que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares de administradores ou de sócios da pessoa jurídica (artigo 50 do Código Civil). Dessa forma, o  patrimônio do sócio passará a responder pelos deveres e obrigações da sociedade.

Existe também a possibilidade de ocorrer a desconsideração inversa, na qual o patrimônio da sociedade será utilizado para pagar dívidas dos sócios.

O incidente de desconsideração da personalidade jurídica está previsto nos artigos 133 ao 137 do Código de Processo Civil e poderá ser instaurado a pedido da parte interessada ou do Ministério Público, quando lhe couber intervir no processo, e é cabível em todas as fases do processo de conhecimento, no cumprimento de sentença e na execução fundada em título executivo extrajudicial.

Até que seja resolvido o incidente ocorrerá a suspensão do processo principal. A pessoa afetada será citada para apresentar resposta, cumprindo-se a garantia do contraditório, ampla defesa e devido processo legal. Sendo julgado procedente a ação principal voltará a correr e poderá atingir o patrimônio da pessoa desconsiderada. Caso seja julgada improcedente, a ação principal será retomada, podendo atingir apenas o patrimônio da parte na ação principal.

Caso tal pedido seja formulado na petição inicial, a pessoa a ser desconsiderada será parte desde o início da ação principal, não se instaurando o incidente previsto no art. 133 do CPP e, portanto, não havendo suspensão do processo.

Para que haja a desconsideração da personalidade jurídica, além da insuficiência patrimonial do devedor, a parte interessada deverá demonstrar o abuso da personalidade jurídica (artigo 50, CC), caracterizado pelo desvio de finalidade (utilização da pessoa jurídica com o propósito de lesar credores e para a prática de atos ilícitos de qualquer natureza) ou pela confusão patrimonial (a ausência de separação de fato entre os patrimônios dos sócios e da sociedade), caracterizada por: 

I – cumprimento repetitivo pela sociedade de obrigações do sócio ou do administrador ou vice-versa; 

II – transferência de ativos ou de passivos sem efetivas contraprestações, exceto os de valor proporcionalmente insignificante; e

III – outros atos de descumprimento da autonomia patrimonial

Sendo a desconsideração julgada procedente e observando-se os demais requisitos, poderá ocorrer a configuração da fraude à execução caso tenha havido atos de alienação ou oneração de bens desde a citação do sócio ou sociedade no incidente.

Conclui-se que o incidente de desconsideração da personalidade jurídica, regulamentado pelo Código de Processo Civil nos artigos 133 ao 137, é medida excepcional e muito útil para satisfazer o credor, nos casos em que os requisitos mencionados estiverem presentes, diante de “manobras evasivas” do devedor.

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